Muitas pessoas procuram o escritório de advocacia em razão do aborto que ocorre como resultado de um acidente de trânsito.
O objetivo é obter a indenização decorrente do seguro obrigatório DPVAT.
Em muitos casos, inclusive, o marido da vítima procura o escritório de advocacia com o objetivo de ser duplamente indenizado.
Em outras palavras, o marido busca a indenização em razão da morte da esposa e do feto.
Em Direito, chamamos o feto de nascituro.
Em regra, a Seguradora nega o benefício por entender que não existe esse direito pela morte do nascituro.
Você pode estar pensando: “qual o motivo da discussão? Existe razão para não pagar indenização pela morte do feto? (aborto)“.
Observe o seguinte…
O entendimento clássico da doutrina era o seguinte: “tem direitos apenas aquele que tem personalidade jurídica“.
Assim, passou a ser muito importante definir o seguinte: “quando começa a personalidade jurídica???“
Aqui estaria o grande problema…
Para ser didático, vou explicar o tema nos próximos tópicos.
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ToggleQuando começa a personalidade jurídica?
De forma bastante resumida, podemos falar que o Direito trabalha com 2 (duas) teorias importantes:
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Teoria Natalista;
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Teoria Concepcionista;
Há outras teorias, mas que, sinceramente, não merecem destaque aqui, dada a menor importância delas para o Direito.
Para a Teoria Natalista, a personalidade jurídica começa do nascimento com vida.
Para a Seguradora, por exemplo, essa foi a teoria adotada pelo nosso Código Civil.
Por isso, negam o benefício.
Para a Seguradora, então, seria preciso nascer com vida (ainda que por parto prematuro) e, após, vir a óbito em razão do acidente.
Essa é, inclusive, a tese mais comum utilizada pela Seguradora para negar o benefício.
Observe que o art. 2 do Código Civil dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro“.
Em contraposição, a teoria concepcionista, grosso modo, dispõe que o início da personalidade jurídica se dá com a concepção (e não do nascimento com vida…)
Por isso, segundo a teoria concepcionista, o nascituro estaria protegido.
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Qual foi a posição do Superior Tribunal de Justiça?
O Superior Tribunal de Justiça, de forma brilhante, demonstrou que a teoria natalista está equivocada.
E o motivo é bastante simples…
O art. 2° da lei, de forma bastante evidente, separa o termo “personalidade jurídica” do termo “pessoa“.
Em outras palavras, personalidade jurídica é diferente de pessoa.
Observe:
Art. 2° A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Por isso, o STJ passou a defender que, embora personalidade jurídica e pessoa caminhem, em regra, juntos, não são necessariamente a mesma coisa.
Como prova deste argumento, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece que , quando a lei pretendeu estabelecer a “existência da pessoa”, o fez expressamente.
É o caso do art. 6º do CC, o qual afirma que a “existência da pessoa natural termina com a morte“, e do art. 45, caput, da mesma lei, segundo o qual “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro“.
Portanto, personalidade jurídica e pessoa são coisas diferentes…
O STJ, neste cenário, esclarece que a lei silencia quanto ao início da pessoa natural.
Isso significa que cabe ao intérprete disciplinar quando começa a pessoa natural.
No REsp 1.415-727-SC, o Min. Luis Felipe Salomão conclui que o ordenamento jurídico alinhou-se, em verdade, a teoria concepcionista (e não a teoria natalista), muito embora alguns direitos só possam ser exercitados após o nascimento com vida.
Esse entendimento, em verdade, é uma manifestação evidente da concepção existencialista da Constituição.
Isso quer dizer que, com tal interpretação, buscou o Ministro ampliar o sentido e alcance da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1°, III, CF/88).
Essa espécie de interpretação não é uma exclusividade do STJ.
Trata-se, em verdade, de uma tendência da jurisprudência.
O Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, vem defendendo que a estabilidade gestacional (art. 10, II, b, ADCT) que protege a gestante contra a demissão sem justa causa, em verdade, visa proteger, primordialmente, a saúde e bem estar do nascituro.
Aliás, é entendimento pacífico que a estabilidade gestacional não tem o objetivo primordial de proteger o emprego.
Em verdade, o objetivo é proteger a saúde e o bem estar do nascituro.
Por isso, em caso de demissão da empregada gestante, cabe a empregada escolher entre a indenização ou a recontratação.
E mais…
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema 497, esclarece que o direito da estabilidade gestacional tem DUPLA titularidade: a mãe e o feto (nascituro).
Portanto, o feto (nascituro) é, também, titular de direitos, motivo pelo qual estaria o próprio STF admitindo a Teoria Concepcionista como pedra motriz do ordenamento jurídico.
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Quais documentos eu preciso para solicitar a indenização?
Será preciso comprovar a qualidade de beneficiário.
Isso se faz demonstrando que você é o herdeiro (por exemplo, mãe ou pai do feto).
Em seguida, será preciso comprovar que a morte do feto foi resultado do acidente.
Neste particular, é importante ter um boletim de ocorrência com:
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Identificação do veículo;
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Identificação da mãe (vítima);
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Narrativa do acidente;
O laudo do médico atestando o aborto também será muito importante.
Por fim, será preciso apresentar o registro de natimorto.
Em se tratando de aborto, será preenchido declaração de óbito no hospital e, em campo específico, fica destacado o óbito fetal.
Este documento DEVE SER LEVADO ao cartório de Registro Civil para que seja feito o registro de natimorto.
Essa certidão é importante não apenas para solicitar o benefício perante a Seguradora, como também para dar início ao processo em caso de negativa da Seguradora.
Fique atento, pois o registro de natimorto é gratuito e só poderá ser efetuado no local de ocorrência do nascimento ou da residência dos pais.
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Conclusão
Podemos concluir que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que não é possível descartar a cobertura do seguro pelo óbito de nascituro (TJSP, Apelação nº 1002443-73.2014.8.26.0564).
Acerca do tema, o STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude disso, sofre aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos termos do artigo 3, I, da Lei 6.194/74 (STJ, 4ª Turma, REsp 1.415-727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014 – Info 547).
O ordenamento jurídico atual garante diversos direitos ao nascituro, independentemente de seu nascimento com vida, à luz do artigo 2º do Código Civil e considerada a ampla projeção do princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana.
Portanto, trata-se de entendimento pacífico do STJ de que é devida a indenização do seguro obrigatório DPVAT no caso de interrupção da gravidez e morte do nascituro causados por acidente de trânsito (Resp n°1.415.727/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).
Lembre-se que, para solicitar a indenização, será preciso acrescentar o registro de natimorto na documentação usualmente solicitada pela Seguradora.
Existindo a negativa por parte da seguradora, será preciso procurar um advogado.