É bastante comum pessoas com juros absurdos em empréstimo consignado chegarem ao escritório de advocacia completamente desesperadas. São, como regra, juros abusivos bastante expressivos.
Neste blog, já falamos sobre a possibilidade do banco cobrar juros sobre juros. Caso queira aprofundar-se sobre o tema, recomendamos a leitura.
Em apertada síntese, já existe uma posição pacífica dos Tribunais autorizando a capitalização de juros (cobrança de juros sobre juros).
Isso, contudo, não autoriza a cobrança de juros superior a taxa média de mercado.
Como se não bastasse, há inúmeros casos em que o banco retem valores da salário, aposentadoria e proventos, sem que esteja autorizado.
Observe o que dispõe a Súmula 603 do STJ editada em 2018.
Súmula 603 – É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual. (Súmula 603, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 26/02/2018)
Na prática, pouco pode ser feito em relação aos juros abusivos, pois, como esclareci, dependem da análise da taxa média de mercado que, por sua vez, é ditada pelos grandes Bancos. Em outras palavras, grandes instituições financeiras nunca apresentam juros abusivos, por mais absurdo que possa parecer a taxa.
Você deve estar pensando: “Bom… então estou ferrado!”
Não é bem assim.
Embora a análise dos juros seja bastante complicada, há outros pontos que, costumeiramente, são violados pelos Bancos.
Esses pontos servem para garantir o mínimo existencial para você, devedor!
Para ser mais didático, há questões que podem ser revertidas por meio de um processo judicial a fim de resguardar ao devedor o mínimo de subsistência em homenagem ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF).
A queixa mais comum que escuto no escritório é a seguinte: “dr… é possível a cobrança de empréstimo consignado da minha conta salário e da minha conta corrente?“.
O desespero é compreensível.
Vejo, corriqueiramente, casos em que não sobra sequer dinheiro para comer. Em outras palavras, o desconto do Banco é tão exorbitante que impede a própria subsistência do consumidor.
Desde já, adianto que, na grande maioria das vezes, o desconto é ilegal.
Aliás, é preciso repisar que, segundo a Súmula 603 do STJ, é vedado ao banco mutuante reter salários, vencimentos ou proventos, ainda que exista cláusula autorizando, exceto empréstimo consignado, desde que respeite o limite legal (em regra, 35% da remuneração).
Portanto, caso você esteja passando por isso, entre em contato com o advogado.
A análise do profissional é importante para proteger seu direito, reduzindo o referido desconto à limites legais aceitáveis.
Você deve estar se perguntando: “mas dr… o que seria limite legal aceitável?”
Já adianto para você que o limite aceitável varia entre 30% (para grande maioria dos funcionários públicos) e 35% (para não funcionários públicos) da remuneração.
Para entender qual é o limite aceitável você precisa entender o conceito de margem consignável.
O tema parece complicado, mas é bastante simples. Vou explicar nos próximos tópicos.
Mas, em primeiro lugar, é importante destacar o que o banco pode fazer para, a partir disso, explicar para você o que o banco não pode fazer.
Farei isso nos próximos capítulos.
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ToggleO Banco pode descontar da minha conta salário?
No início, muito se discutiu a respeito da possibilidade de descontar do salário débito proveniente de empréstimo consignado.
Alguns advogados, diante desse cenário, começaram a sustentar que o desconto violaria à impenhorabilidade do salário (antigo art. 649 do CPC e atual art. 833, IV, do Novo CPC).
Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
A tese, contudo, não se manteve de pé.
Isso porque os Tribunais apontavam que o débito no salário era, desde o início do contrato de empréstimo, circunstância facilitadora para obtenção do crédito.
Diante desse cenário, não poderia o devedor argumentar que, após a obtenção do crédito, seu salário seria impenhorável.
Portanto, leitor, essa cláusula contratual, como regra, não é abusiva.
Ocorre que não demorou para os Bancos iniciarem uma série de descontos abusivos do consumidor, colocando-o em um cenário extremamente delicado já que o salário visa, primordialmente, sua subsistência.
Com efeito, pagar o empréstimo com seus respectivos juros abusivos pode ser uma tarefa impossível para grande parcela das famílias brasileiras.
Isso porque o Banco, ao conceder o empréstimo, não observa a denominada Teoria do crédito responsável. Sobre isso, falo daqui a pouco.
Por ora, o mais importante para você é saber que, após esse episódio, o desconto do empréstimo consignado em folha de pagamento passou a ser observado sob a ótica da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1ª, III, CF).
O que significa Dignidade da Pessoa Humana?
Interpretar tal questão a luz da Dignidade da Pessoa Humana significa garantir, em um cenário de desconto reiterado, um mínimo essencial à subsistência do próprio devedor e sua família, não deixando de lado, contudo, o pagamento da dívida.
Defende-se, com isso, o respeito a margem consignável.
É justamente a margem consignável que, como regra, é “burlada” pelo Banco no momento do desconto.
O que é margem consignável?
Portanto, margem consignável é o valor máximo da renda do trabalhador que poderá ser comprometida como garantia de um contrato de empréstimo.
Adianto, desde já, que inúmeras decisões reduziram o valor de desconto justamente por desrespeito a esta margem consignável.
A lei do empréstimo consignado estabeleceu o limite de 35% (para não funcionários públicos) de desconto do salário.
Para funcionários públicos, é preciso observar a lei do respectivo Estado, Município, ou ainda, a lei nacional (lei 8.666) que se aplica aos funcionários públicos federais. Como regra, o limite de desconto é de 30%.
Observe que, como já expliquei, alguns bancos descontam o limite legal da conta-salário e o restante da conta-corrente.
Essa prática é ilegal!!!
É justamente por isso que inúmeras decisões reduzem o desconto, inclusive liminarmente (antes da sentença).
Citamos, abaixo, uma decisão relacionada ao tema:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.RETENÇÃO. POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO. CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATO DE MÚTUO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DA MARGEM DE CONSIGNAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR.SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Possibilidade de afastamento da regra do art. 542, § 3º, do CPC,apenas se demonstrada a viabilidade do recurso especial (“fumus boni iuris“) e o perigo de que, com a sua retenção, sobrevenha dano irreparável ou de difícil reparação ao recorrente (“periculum in mora“). 2. Validade da cláusula autorizadora do desconto em folha de pagamento das prestações do contrato de empréstimo, não configurando ofensa ao art. 649 do Código de Processo Civil,3. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta porcento) da remuneração percebida pelo devedor.4. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana.5. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ.6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (STJ – AgRg no REsp: 1206956 RS 2010/0151668-9, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SAN SEVERINO, Data de Julgamento: 18/10/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/10/2012)
Na referida decisão, podemos observar uma especial preocupação com o empréstimo consignado e com o abuso dos bancos que, naquele episódio, estava assumindo grandes proporções.
Note que a decisão não se apega aos juros abusivos, mas sim a forma de desconto.
Essa preocupação fica clara quando o Desembargador destaca, no corpo de decisão, que “é dever do Poder Público a fiscalização desses contratos de empréstimo para evitar que abusos possam ser praticados pelas instituições financeiras interessadas, especialmente nos casos de crédito consignado.”
Então, qual é o ato ilegal dos bancos?
Simples… Os Bancos descontam o limite legal da conta-salário (30% ou 35%) e o restante da conta-corrente, gerando o superendividamento do consumidor.
Em alguns casos, os bancos chegam a descontar mais de 50% da remuneração do consumidor!!!
Diante desse contexto e em respeito a Dignidade da Pessoa Humana, os Tribunais passaram a determinar que o desconto de 30% (ou 35%) é sobre o rendimento bruto do devedor, adotando, como pilar de sustentação, a Teoria do Crédito Responsável.
Segundo a Teoria do Crédito Responsável, a Instituição Financeira, ao conceder o crédito, deve adotar cautela para garantir ao consumidor a preservação de um patrimônio mínimo que sustente a sua subsistência.
Essa Teoria, em verdade, leva em consideração a hipossuficiência do consumidor, quando comparado com o Banco.
Abaixo, citamos uma decisão que guarda relação com o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E COM DÉBITOS EM CONTA CORRENTE. SUPERENDIVIDAMENTO. CRÉDITO RESPONSÁVEL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO BRUTA, ABATIDOS OS DESCONTOS COMPULSÓRIOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 3º DO DECRETO DISTRITAL 28.195/2007. 1. Os descontos decorrentes de mútuos concedidos ao consumidor, mediante desconto em folha de pagamento ou com débito automático em conta corrente, devem observar o limite de 30% dos rendimentos brutos do mutuário, subtraídos os descontos relativos às contribuições compulsórias determinadas pelo artigo 3º do Decreto Distrital n.º 28.195/2007. 2. Atua com negligência a instituição financeira que, mesmo diante de sucessivos empréstimos, permanece realizando contratos de mútuo com o consumidor, sem observar a correspondente capacidade de endividamento. 3. Segundo a teoria do crédito responsável, as instituições financeiras, na contratação de empréstimos, devem não só adotar cautelas que garantam o retorno financeiro esperado, mas também observar medidas que evitem o superendividamento dos consumidores, contribuindo, desse modo, para a preservação do patrimônio mínimo a garantir a dignidade humana. 4. Apelação conhecida e parcialmente provida. (TJ-DF – APC: 20140110806503, Relator: SIMONE LUCINDO, Data de Julgamento: 21/10/2015, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/11/2015 . Pág.: 133)
Mas esta situação se manteve durante a crise econômica?
Em 2015, com a aproximação da crise econômica no País, o legislador optou por aumentar o limite de desconto do empréstimo consignado de 30% para 35% do salário.
Por isso, desde o início do texto, deixei claro que a lei 10.820, hoje, determina que o desconto máximo é de 35% (e não 30%), diferente do funcionário público.
O objetivo era bastante claro: facilitar ainda mais a concessão do empréstimo consignado.
Vale dizer que, segundo a Lei 10.820/03, pode o empregado comprometer, também, suas verbas rescisórias, quando dispensado sem justa causa do emprego.
Como é de conhecimento de todos, aquele que é dispensado do emprego sem justa causa pode levantar seu FGTS, recebendo do empregador multa de 40% sobre o importe depositado no FGTS.
Neste caso, o limite de desconto do Banco é de 10% sobre o FGTS, bem como 100% sobre o multa.
Essa questão, embora presente na legislação, estava gerando discussão nos Tribunais Trabalhistas, razão pela qual, em maio de 2017, foi editada a súmula 79 do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
79 – Empréstimo consignado. Desconto das verbas rescisórias. Possibilidade. Limite. O saldo de empréstimo consignado contraído pelo empregado poderá ser deduzido das suas verbas rescisórias até o limite previsto na Lei nº 10.820/03.
Vale ressaltar que tais descontos devem sempre ser autorizados por meio do contrato.
Venho sofrendo descontos abusivos: o que fazer?
Caso você esteja sofrendo descontos que superem 35% da sua remuneração (ou 30% se for funcionário público), deve procurar um advogado para que o profissional possa analisar o caso concreto e postular não apenas pela redução do desconto, mas também pela devolução dos valores descontados que ultrapassem o limite legal (margem consignável).
Será preciso apresentar ao advogado:
- Extratos bancários (para que o advogado possa conferir a margem consignável);
- Contrato (se houver);
Destacamos, por fim, que inúmeras decisões vêm reduzindo descontos indevidos.
Há, portanto, vasta jurisprudência (conjunto de decisões), no Direito Bancário, que permite ao consumidor combater esse tipo de abuso.
Uma resposta
também sofro muito com esses juros abusivos.do que estou pagando não sobra quase nada para o meu sustento familiar