Franquia: procedimento arbitral

Não é incomum verificar nos contratos de franquia a cláusula de arbitragem (chamada de cláusula compromissória). Regra geral, essa cláusula está no final do contrato de franquia ou em documento apartado.

Diante da existência dessa cláusula, não pode a parte acessar o Poder Judiciário por meio do juízo estatal. Deverá, necessariamente, instaurar o procedimento arbitral, nos termos da respectiva cláusula.

A arbitragem é um procedimento essencialmente negociado. Significa dizer que as partes escolhem a instituição ou árbitro(s), o procedimento, prazos, possibilidade de recurso, dentre outros.

Não se aplica, como regra, o Código de Processo Civil, sequer de forma subsidiária. salvo quanto as hipóteses de imparcialidade e independência do árbitro e quanto a pilares de sustentação do desenvolvimento do procedimento justo perante as partes (devido processo legal).

Neste último caso, aplicam-se os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento (art. 21, § 2ª, da Lei 9.307).

O desrespeito a qualquer destes parâmetros mínimos poderá ensejar a nulidade da sentença arbitral por vício no procedimento. Tal pleito será realizado por meio de procedimento específico (art. 33 da Lei 9.307).

Cumpre destacar que o advogado vai precisar deter habilidades específicas de negociação, pois, repise-se, a arbitragem é um procedimento negociado, conforme disciplina o art. 21 da Lei 9.307, vale citar:

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.

Em São Paulo, os contratos de franquia, como regra, elegem a CAESP (Conselho Arbitral do Estado de São Paulo) como instituição de arbitragem. Como consequências, as partes ficam vinculadas às regras do respectivo regulamento.

O procedimento arbitragem é dividido, para fins didáticos, em instauração da arbitragem, organização da arbitragem e desenvolvimento da arbitragem.

Vamos explicar, passo a passo, cada uma das etapas.

A arbitragem tem início com a instauração da arbitragem. Essa fase, contudo, é preliminar, pois precede a própria instauração que se dá, apenas, com o aceite do árbitro.

O Contrato de franquia precisa de forma clara, indicar o árbitro, a instituição, ou ainda, os requisitos necessários para indicação, sob pena de ser necessário ingressar no Poder Judiciário para suprir a lacuna (art. 7ª da Lei 9.307). Em direito, a cláusula que não preenche esses requisitos é chamada de cláusula compromissória vazia.

Imagine, por exemplo, que o contrato de franquia indique a CAESP como Câmara Arbitral responsável pela administração do conflito de interesses. Neste caso, será preciso elaborar um requerimento de instauração de arbitragem que, na CAESP, recebe o nome de Solicitação de Procedimento Arbitral (SPA).

Conforme art. 9ª do Regulamento da CAESP, são requisitos da SPA:

a) nome e qualificação completa das partes;

b) indicação de existência de cláusula compromissória.

Parágrafo único: Caso a cláusula compromissória não contenha a indicação do CAESP como órgão responsável em dirimir controvérsias, deverão as partes acordar por escrito que o procedimento seja conduzido de acordo com este regulamento;

c) breve relato da controvérsia incluindo valores pleiteados;

d) proposta do número de árbitros para atuação no procedimento caso a cláusula compromissória seja omissa;

e) em caso de Tribunal Arbitral, indicar o(s) árbitro(s) de sua escolha, com qualificação completa;

f) nome e qualificação completa dos advogados ou procuradores que representarão o solicitante, incluindo o mandato com poderes específicos, inclusive para celebrar o compromisso arbitral;

g) comprovante de pagamento das custas processuais;

h) demais documentos necessários para a instauração do procedimento arbitral.

Note que o item “e” impõe a indicação do árbitro em caso de Tribunal Arbitral, hipótese em que as partes concordam, na convenção de arbitragem, que a questão será julgada por um colegiado.

Contudo, a praxe nos contratos de franquia é a opção pelo árbitro único, motivo pelo qual, em regra, não se escolhe um árbitro na SPA, ficando tal tarefa a cargo da própria Câmara (art. 13 do Regulamento da CAESP)

Feito o requerimento de instauração, faz-se o protocolo do pedido na câmara que, por sua vez, se encarrega de levar via a outra parte.

A outra parte, por sua vez, é notificada para responder ao pedido de instauração. Vale dizer que esta resposta não é uma defesa de mérito, guardando relação apenas com questões procedimentais.

Por exemplo, o solicitado (nome que se dá a parte contrária) poderá manifestar-se quanto ao conteúdo da cláusula de arbitragem (chamada de cláusula compromissória).

Poderá, também, declarar se tem interesse em realizar um pedido contra o solicitante (chamado na arbitragem de pedido contraposto).

Após, não existindo nenhum problema a ser sanado, segue a fase seguinte que é a indicação de árbitros. Tratando-se de árbitro único, esta indicação será realizada pela própria CAESP (art. 13 do Regulamento da CAESP).

O árbitro, então, vai receber uma cartada câmara informando sua indicação, bem como quem são as partes e o qual é o objeto da lide. Aqui, o árbitro tem a oportunidade de aceitar ou não a arbitragem levando em consideração, principalmente, se ele, segundo critérios da Lei 9.307 e Regulamento da Câmara, poderá exercer a função com imparcialidade e independência.

No caso de aceitação, o árbitro recebe um questionário que contém pesquisas para que as partes tomem conhecimento sobre a experiência do árbitro no objeto da lide, eventual conhecimento das partes, dentre outros pontos.

Esse questionário é enviado para as partes que, por sua vez, tem a possibilidade de impugnar o árbitro. No caso Tribunal Arbitral, a CAESP indica o Presidente e as partes, por sua vez, indicam, cada uma, um árbitro, formando, ao final, o Painel Arbitral. Todos os árbitros respondem o questionário.

Finalizada a indicação e havendo a aceitação do árbitro, finda a primeira fase (fase de instauração).

Vale destacar que, caso seja necessário alguma medida urgente até esse momento, será preciso socorrer-se do juízo estatal, pois a CAESP não possui, em seu regulamento, a figura do árbitro de emergência.

  • 2ª Fase: Organização da Arbitragem

Uma vez confirmado o árbitro, o primeiro ato do árbitro é designar audiência para assinatura do Termo de Arbitragem.

No início da audiência, o árbitro deve sempre tentar o acordo entre as partes (art. 21, § 4ª, da Lei 9.307).

Não havendo acordo entre as partes, o árbitro segue para a elaboração do termo de arbitragem. O Termo de Arbitragem é o documento que estabelece o calendário processual.

Aqui, é preciso lembrar que não se aplica o Código de Processo Civil à arbitragem. Assim, considerando que o procedimento arbitral é negociado, devem as partes chegar a um acordo sobre o prazo para alegações iniciais, resposta, réplica, tréplica, como especificar provas, questão do saneamento, prazos, etc.

A autonomia da vontade das partes, contudo, é limitada pelas regras do devido processo legal (contraditório, igualdade daspartes, imparcialidade e livre convencimento), bem como por normas cogentes da Lei 9.307. Significa dizer que não é possível alterar esses parâmetros mínimos que resguardam o desenvolvimento justo do processo.

No caso da CAESP, a partes, ainda, ficam vinculadas ao regulamento, conforme art. 6 do respectivo Regulamento, senão vejamos:

“6. Poderão ser objeto de resolução por meio de arbitragem todas as controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis, ficando as partes envolvidas vinculadas a este regulamento”.

Quanto a forma de protocolo, a CAESP determina, no art. 12 do Regulamento, que toda documentação protocolada “deverá ser entregue em número de vias equivalentes ao número de partes e árbitros, bem como uma via exclusiva para a secretaria”.

O termo de arbitragem da CAESP respeita o disciplinado no art. 10 da Lei 9.307 e acresce algumas informações necessárias. O conteúdo obrigatório, segundo o próprio regulamento, é o seguinte:

  1. o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

  2. o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

  3. a matéria que será objeto da arbitragem; e

  4. o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

  5. declaração do solicitante se comprometendo e se responsabilizando primariamente pelo pagamento das custas processuais;

  6. declaração das partes se comprometendo e se responsabilizando pelo pagamento de todas as despesas incidentes, como árbitro, árbitros adicionais no caso de Tribunal Arbitral, peritos, assistentes técnicos, secretário, etc;

  7. declaração do solicitante se comprometendo e se responsabilizando pelo pagamento de complemento de custas e audiências adicionais, dos quais poderá se ressarcir da outra parte caso a sentença arbitral assim o determine;

  8. quaisquer alterações no procedimento arbitral acordadas entre as partes e e) quaisquer outras informações que as partes ou o(s) árbitro(s) julgarem pertinentes.

A audiência para assinatura do Termo de Arbitragem termina com a própria assinatura. Todas as partes, inclusive o árbitro, vinculam-se ao Termo de Arbitragem.

Por exemplo, segundo o item “c”, o termo de arbitragem deve conter a matéria que será objeto da arbitragem. Portanto, o árbitro não poderá decidir qualquer matéria que não esteja no termo de arbitragem, sob pena de nulidade.

Vale destacar, ainda, que, caso a parte não compareça, será preciso entregar ao advogado procuração com poderes específicos para assinatura do termo de arbitragem.

Por não se tratar de um audiência de instrução, é prescindível a participação das partes, bastando a presença do advogado. Porém, não se trata de uma postura aconselhada, já que, nesta audiência, é resguarda a oportunidade de conciliação.

  • 3ª Fase: Desenvolvimento da arbitragem

Após a assinatura do Termo de Arbitragem na primeira audiência designada pelo juiz, serão oferecidas alegações iniciais.

Trata-se de algo parecido com a petição inicial (nome dado a peça inaugural de um processo comum instaurado perante o juízo estatal).

O solicitado, então, deve, no prazo delimitado no Termo de Arbitragem, apresentar resposta. Vale destacar que a não apresentação, não impedirá o árbitro de proferir sentença arbitral (art. 22, §3ª, da Lei 9.307).

É preciso repisar que o Código de Processo Civil não se aplica à arbitragem, motivo pelo qual a revelia não pode gerar a presunção de veracidade das questões apontadas na Declaração Inicial.

Em verdade, o art. 22, § 3ª, da Lei 9.307 apenas autoriza o julgamento, motivo pelo qual a revelia não pode ser fundamento isolado de procedência da demanda.

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.

  • Depoimento das partes

No juízo estatal, a função do depoimento pessoal é provocar a confissão da parte (até por isso o advogado da parte não faz perguntas para o cliente).

Na arbitragem, contudo, o depoimento visa permitir que o árbitro compreenda a controvérsia, motivo pelo qual as perguntas são diretas e podem ser feitas perguntas pelo próprio advogado da parte.

Caso a parte não compareça para prestar o depoimento não há confissão ficta, todavia, o árbitro está autorizado a deduzir “inferências negativas” da sua ausência.

Repise-se, por oportuno, que não se trata de revelia, já que o árbitro não poderá utilizar essa ausência como fundamento isolado para procedência ou improcedência do pedido.

  • Prova Testemunhal

No caso da testemunha não comparecer, o árbitro poderá requisitar ao juiz estatal, por meio de carta arbitral, a condução coercitiva da testemunha.

Há, também, a possibilidade de utilização de testemunha técnica. Trata-se de testemunha ouvida não porque conhece os fatos, mas porque conhece um determinado assunto (tem expertise) e será ouvido para explicar esse assunto. Não se trata de perito (aquele que faz uma análise técnica do caso concreto).

  • Prova Pericial

É possível, ainda, postular pela produção de prova pericial. Esta, como todas as demais provas, serão definidas no termo de arbitragem.

Os árbitros têm liberdade para decidir o procedimento. Por exemplo, pode esperar ouvir testemunha técnica para decidir se defere ou não a prova pericial.

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