Franquia com prejuízo: o que fazer?

Alguns Franqueados encontram-se completamente desesperados em razão da falta de suporte, transparência e colaboração do Franqueador. Em um cenário como esse, mais cedo ou mais tarde surge também a falta de dinheiro. Agora você tem nas mãos uma franquia com prejuízo e precisa saber o que pode ser feito.

Para ajudar você, elaboramos um vídeo que explica, passo a passo, o que fazemos para avaliar uma franquia com prejuízo.

Abaixo, vou aprofundar o tema e esclarecer para você, de uma forma didática, como isso funciona. Pretendo explicar o que há de mais importante para você.

Meu objetivo é que você saia daqui com toda informação que precisa para tomar uma decisão.

Como surge a Franquia com prejuízo?

Elaborar um plano de negócios com base em uma marca que possui força no mercado nem sempre garante o sucesso do empreendimento.

Pela lei, a circular de oferta (COF) deve apresentar balanços e estimativa do investimento inicial com instalação e operação (art. 2º, inciso III, VIII e IX, da Lei 13.966/19).

Você provavelmente recebeu esse documento antes de assinar o contrato de franquia.

Neste documento, há inclusive uma estimativa de tempo de prejuízo.

Ocorre que muitas vezes o valor estimado é muito discrepante da realidade. Neste cenário, mais cedo ou mais tarde você observa que tem uma franquia com prejuízo sem solução.

Para tentar liberar-se da obrigação de restituir o franqueado, o franqueador costuma colocar, no contrato de franquia, a cláusula que impõe ciência ao franqueado do risco do negócio. Destaca, aqui, por evidência, que o prejuízo será necessariamente assumido pelo franqueado.

Será que essa cláusula tem validade??? 

Em primeiro lugar, eu preciso esclarecer para você que existem duas correntes sobre o tema. Mas faço isso apenas a título de informação, pois, mais a frente, vou provar para você que a tese majoritária é favorável ao franqueado.

Aqueles que defendem plena eficácia a esta espécie de cláusula apoiam-se no denominado “pacta sunt servanda”. É um princípio de Direito que, em apertada síntese, resguarda proteção aquilo que foi pactuado entre as partes.

Em outras palavras, aquilo que esta no contrato deve ser cumprido.

É uma cláusula que, sem dúvida alguma, tem força e vigência entre franqueados e franqueadores, reforçando a segurança jurídica do negócio.

Então você deve estar se perguntando: “então não tenho o que fazer!“, ou ainda, “não posso fazer nada em face da minha franquia com prejuízo?“.

Não é bem assim. Observe que, em nenhum momento, eu disse que “aquilo que foi pactuado deve sempre ser cumprido”.

E já adianto: não disse propositalmente, pois em inúmeras situações esse princípio é relativizado.

Muitos franqueadores param por aqui, pois é conveniente ao plano de negócios que respalda a franquia. Para o franqueador esse princípio é ótimo, já que muitos franqueados não costumam consultar, preventivamente, o advogado. Um erro comum daqueles que entram nesse tipo de negócio.

Há, inclusive, alguns operadores do Direito que também não se estendem no tema, já que os próximos passos que vou explicar aprofundam-se em um estudo moderno da boa-fé.

Esclareço que inúmeros casos “caminham de mão em mão” até chegar ao escritório e, por isso, chego a esta conclusão.

Antes de mais nada, é preciso observar que o contrato de franquia é um contrato de adesão e, como tal, assegura duas prerrogativas ao aderente (franqueado):

  1. Cláusulas que apresentarem dúvida na interpretação, serão interpretadas em favor do aderente (art. 423 do Código Civil);
  2. É vedado a renúncia antecipada a direito por meio do contrato de franquia (art. 424 do Código Civil);

Além disso, a franquia é um contrato que, como qualquer outro, deve pauta-se na boa-fé que, diga-se por oportuno, é também um principio contratual. Aliás, é também um princípio geral de Direito.

E, agora, passo a explicar como funciona a boa-fé.

Franquia com prejuízo e o princípio da boa fé

Aqui é que sua franquia com prejuízo pode ter solução.

Vou explicar.

Neste ponto em específico, muitos franqueadores têm errado no ato da elaboração do contrato. Imaginam que apenas o que está no contrato deve ser respeitado.

É uma visão antiga e muito simplificada do Direito. Para ser sincero, sequer, é cogitada pela doutrina moderna nos dias de hoje.

Alguns franqueadores esquecem de apresentar uma conduta ética e coerente em face do franqueado.

O princípio da boa-fé evoluiu de tal forma que, hoje, levanta uma série de obrigações que, embora não estejam no contrato, podem ensejar a rescisão do mesmo.

É justamente o princípio da boa-fé que pode relativizar o pacta sunt servanda.

Essa relativização ocorre o tempo todo no Direito. Bancos, por exemplo, adoram levantar esse princípio para obrigar consumidores à cumprir o contrato de empréstimo bancário. Claro que, aqui também, o Poder Judiciário tem afastado a aplicação quando viola a boa-fé.

Pode parecer complicado, mas é bastante simples. Observe.

Como o princípio da boa-fé se aplica ao contrato de franquia?

O dever de transparência, por exemplo, é um dever que nasce da boa-fé. Ainda que ausente no contrato, pode gerar a rescisão do negócio. Chamamos isso de violação positiva do contrato (positiva, porque cumpre o contrato, mas não cumpre dever implícito). 

Em paralelo, podemos citar o dever de cooperação e colaboração. Todos são deveres implícitos do contrato de franquia.

O dever de transparência, cooperação, colaboração e outros, são chamados, em direito, de deveres anexos (ou laterais de conduta).

Talvez você não tenha percebido ainda, mas, para ser mais didático, vou destacar o mais importante até aqui.

Os deveres anexos não precisam estar escritos no contrato de franquia.

Observe que é bastante lógico. Não faria sentido o franqueador dizer: “não preciso cooperar com você, pois não está o contrato“. Ora, lógico que precisa. Aliás, todos precisam cooperar uns com os outros em qualquer relação jurídica (por isso é um princípio geral de direito). É importante deixar claro que o princípio da boa-fé se aplica também ao franqueado (por isso, usei a palavra “todos“).

Este raciocínio se aplica a qualquer dever anexo.

E qual o resultado disso para o franqueado?

A boa-fé impõe ao franqueador não apenas uma forma jurídica de desenhar o negócio, mas também uma forma jurídica de agir (comportamento). O franqueador precisa assumir uma conduta conforme os parâmetros da boa-fé.

E neste ponto você vai concordar comigo: falta de suporte, sem dúvida alguma, é uma conduta que viola a boa-fé. Isso porque há completa ausência de colaboração e cooperação.

Destaquei “falta de suporte” porque costuma ser a queixa mais frequente dos franqueados que querem rescindir um contrato de franquia. Sobre o tema, falamos bastante no post em que explicamos, passo a passo, como rescindir um contrato de franquia.

Mas não é só isso. Outro dever que nasce da boa-fé é o dever de informação. E já adianto: o legislador se preocupou muito com o franqueado neste ponto.

Dica: Aqui, eu recomendo que você veja nosso post sobre circular de oferta de franquia, pois explico, de uma forma bastante fácil, o que o dever de informação representa em um contrato de franquia. Pode, também, ser a solução para a sua franquia com prejuízo.

Conclusão

Diante de todos os pontos que esclareci acima, acredito que você já entendeu porque a franquia com prejuízo pode ter uma solução coerente com o ordenamento jurídico.

Para comprovar isso, basta procurar na jurisprudência o porquê da maioria das rescisões.

Não se trata de mera violação da circular de oferta ou do contrato de franquia. A grande maioria das rescisões se dá por quebra da boa-fé.

Na apelação nº 1326543-7, da Comarca de São Paulo, por exemplo, o r. Desembargador destacou, em sua decisão, o seguinte:

São deveres anexos de todas aqueles que participam de um contrato, dar as informações necessárias à formação e execução do contrato, colaborar e auxiliar o outro contratante no cumprimento de sua prestação. Isso não ocorreu no caso em análise, violando a primeira requerida o dever de agir com boa-fé objetiva” (grifamos)

Você pode ver, abaixo, a ementa (resumo) da decisão.

Decisão

APELAÇÃO – CONTRATO DE FRANQUIA – RESCISÃO – CULPA DAS RÉS – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. Descumpre o contrato e viola o princípio da boa-fé objetiva a contratante que cumpre parcialmente sua prestação, deixando de dar as informações necessárias ao franqueado, omitindo-se no dever de auxílio com a abertura da loja e não recolhendo os ART ‘s referentes aos projetos por ela elaborados. INDENIZAÇÃO PELOS DANOS EMERGENTES. Comprovado que a franqueada realizou gastos e que o contrato foi rescindido por culpa da franqueadora, tem a franqueada direito à indenização de todos os gastos devidamente comprovados. LUCROS CESSANTES. Levando em, consideração que a franqueada não chegou a iniciar sua atividade e que teve os valores desembolsados restituídos, não há que se falar em lucro cessante. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – DANO MORAL – POSSIBILIDADE. Possível a indenização por dano moral em caso de descumprimento contratual, bastando que se prove que a credora teve aborrecimentos, transtornos e frustrações. RECURSO PROVIDO EM PARTE. . (TJ-SP – APL: 1326543700 SP , Relator: Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, Data de Julgamento: 03/10/2008, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/10/2008)

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