Eu poderia começar esse artigo esclarecendo que o abandono de emprego constitui motivo para a justa causa (art. 482, i, CLT), porém acredito que isso você já saiba.
É claro que o empregado que deixa de comparecer no trabalho por determinado período de tempo poderá ser demitido.
Porém, o que observo é que poucos sabem ao certo o que é abandono de emprego.
Isso enseja uma consequência prática bastante grave: muitos trabalhadores sequer conhecem seus direitos diante desse tipo de situação.
Por isso, escrevi esse artigo para explicar, de forma didática, como a doutrina e os tribunais interpretam esse tipo de conduta.
Além disso, vou esclarecer quais são seus direitos e quais cuidados você deve ter para evitar essa penalidade.
Farei isso, agora, a partir do próximo tópico.
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ToggleO que é abandono de emprego?
Em regra, funciona assim: você está em casa, sem trabalhar, há mais de 25 dias. Lá pelo 28º dia, você recebe um telegrama convocando-o para o trabalho, imediatamente, sob pena de demissão por justa causa (abandono de emprego).
Mas o que é o abandono de emprego?
Direto ao ponto.
Abandonar o emprego, em apertada síntese, é deixar de trabalhar por mais de 30 dias de forma injustificada (sem motivo) com intenção de abandonar o emprego.
Observe que, além do período de 30 dias, há uma preocupação com o motivo da referida ausência.
Toda falta poderá levar ao abandono de emprego?
Não.
Em alguns casos é perfeitamente possível deixar de comparecer ao trabalho sem que isso implique no abandono de emprego.
Um exemplo comum e, inclusive, intuitivo, é o atestado médico válido.
Atenção! o atestado médico falso (ou rasurado) tem sido o motivo mais comum para aplicação da justa causa.
Outro motivo justificável, porém não tão intuitivo, é deixar de comparecer no trabalho após ajuizar ação contra a empresa alegando violação ao contrato de trabalho.
Muitos empregados não sabem disso e, por isso, é importante destacar essa informação valiosa.
Explico.
Existem muitas situações em que o empregado simplesmente não consegue continuar trabalhando.
Como regra, isso ocorre porque a Empresa cria condição de trabalho insuportável.
Por exemplo, controle de idas e vindas ao banheiro, não depósito de FGTS, atraso de salários, discriminação, dentre outros.
Neste ponto, a legislação destaca uma grande prerrogativa do empregado.
Segundo o art. 483, §3ª, da CLT, caso o empregador descumpra o contrato de trabalho, ou ainda, caso reduza o trabalho afetando a importância dos salários, é possível ajuizar a Reclamação Trabalhista e afastar-se imediatamente do trabalho, independentemente de decisão judicial.
Observe o que diz o dispositivo.
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
(…)
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
(…)
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
(…)
§ 3º – Nas hipóteses das letras d e g, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Você pode observar que o artigo é bastante claro e fácil de entender.
Imagine, por exemplo, que o empregador vem atrasando o pagamento de salários de forma reiterada. O empregado, então, procura o advogado e explica que não tem condição de permanecer trabalhando, pois, em razão da conduta do empregador, vem acumulando dívidas pessoais. Neste caso, é perfeitamente possível deixar o emprego e ajuizar uma reclamação trabalhista.
Contudo, muita atenção!
Isso não pode ser feito sem a orientação do advogado. Além disso, é bastante recomendado:
- Enviar um telegrama à empresa informando o motivo da ausência;
- Ajuizar a reclamação trabalhista em menos de 30 dias, contados do último dia de trabalho.
Isso permite ao juiz concluir que a intenção do empregado nunca foi abandonar o emprego. O formato do telegrama também depende da orientação do advogado.
Você ainda pode estar se perguntando: “mas com o envio desse telegrama não ocorrerá o abandono de emprego?“.
Não, desde que respeitado os termos que mencionei.
Vou explicar o porquê no próximo tópico.
O que é preciso para ocorrer o abandono de emprego?
Para ser caracterizado o abandono de emprego é preciso ficar claro que o trabalhador tem a intenção de abandonar o emprego . Em Direito do Trabalho, chamamos isso de “animus abandonandi“.
Não se preocupe com o termo técnico.
Apenas para deixar claro, “animus abandonandi” nada mais é do que um termo em latim que significa “intenção de abandonar“.
Portanto, comprovar que o trabalhador tem “animus abandonandi” é demonstrar que o trabalhador tem intenção de abandonar o emprego.
Feita essa análise, é fácil perceber porque não é possível aplicar abandono aquele que ajuizá Reclamação Trabalhista e se afasta com base no art. 483, §3ª, da CLT.
Em primeiro lugar, não há intenção de abandonar o emprego. Em segundo lugar, o empregado está lançando mão de uma prerrogativa legal.
Você deve estar se perguntando: “e como eu comprovo que não tenho intenção de abandonar o emprego?“.
Em verdade, você não precisa provar.
Para ser mais didático, vou explicar no tópico seguinte.
Quem deve comprovar a intenção de abandonar o emprego?
A prova dessa intenção deve ser feita pela Empresa!!!
Esse é um detalhe muito importante e que pouquíssimos trabalhadores conhecem.
Acredite: isso é muito sério.
Para comprovar o que estou dizendo, leia, abaixo, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Maranhão (16ª Região).
ABANDONO DE EMPREGO. JUSTA CAUSA. NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE ANIMUS ABANDONANDI. A dispensa por justa causa, por abandono de emprego, exige prova cabal e incontestável desse animus por parte da empregada, não devendo ser acolhida, quando empregador, a quem incumbe o ônus probatório, por se tratar de fato impeditivo do direito da empregada, não apresenta as provas necessárias à satisfação sua pretensão (…) (TRT-16 00173332420135160006 0017333-24.2013.5.16.0006, Relator: GERSON DE OLIVEIRA COSTA FILHO, Data de Publicação: 27/10/2015)
Portanto, a empresa deve comprovar que o empregado tinha intenção de abandonar o emprego.
O empregado não tem essa obrigação.
Provar isso, sinceramente, não é uma tarefa difícil.
Todavia, não canso de ver empresas que “escorregam” em audiência por erro do próprio RH (Departamento de Recursos Humanos) e acabam perdendo o processo.
É muito provável que você agora esteja se perguntando: “mas dr… se eu não preciso provar, porque preciso mandar um telegrama informando porque estou ausente?“.
Na verdade, o fundamento dessa postura demonstrar a boa-fé do empregado.
Embora não caiba ao empregado comprovar a intenção, a experiência demonstra que, em alguns casos, há decisões que aplicam a justa causa no empregado ao fim do processo, ainda que o empregado tenha ajuizado a Reclamação Trabalhista antes do período de 30 dias (prazo de abandono).
Sim.
Infelizmente, já tive a oportunidade de observar juízes que aplicam a justa causa por abandono de emprego, ainda que o Reclamante esclareça que está utilizando a prerrogativa legal dentro do prazo.
Com todo respeito a esta espécie de decisão, trata-se de um absurdo sem qualquer coerência com a legislação.
Claro que, nesses casos, existe a possibilidade de recorrer.
Em resumo, o envio do telegrama tem como função primordial demonstrar, desde o início, o motivo, a indicação da prerrogativa e a boa-fé do empregado.
Seria uma espécie de “precaução” para evitar que o empregado seja surpreendido por uma decisão de justa causa ao final do processo.
Como a empresa comprova que o empregado tem intenção de abandonar o emprego?
O que a Empresa deve fazer é enviar um telegrama antes do prazo de 30 dias convocando o empregado para comparecer ao serviço sob pena de demissão por justa causa.
Após o 30º dia é enviado um novo telegrama informando o desligamento por justa causa.
Simples.
Sem essa carta, não é possível presumir a intenção de abandonar o emprego.
Cuidado com o retorno do benefício previdenciário?
Aqui, temos um detalhe pouco conhecido e que foge de toda a regra que expliquei neste artigo.
Imagine, por exemplo, que um empregado deixa de trabalhar em razão de auxílio-doença. Após determinado período de tempo, o auxílio cessa, mas o empregado deixa de retornar ao trabalho por mais de 30 dias.
Muito cuidado!
Neste caso, não espere um telegrama de convocação.
A regra muda completamente.
Segundo a Súmula 32 do TST “presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer“.
Portanto, aqui existe uma espécie de presunção construída pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
Isso vale para qualquer espécie de benefício previdenciário, inclusive licença maternidade.
3 respostas
Bom dia!
Como fica a situação do FGTS, no caso de abandono de emprego? Ele pode ser retirado? Aproveito para elogiar sua forma simples de explicar assuntos complexos.
Olá, Celdemir.
Em regra, o FGTS não pode ser retirado nesta hipótese por constituir espécie de demissão por justa causa (art. 482, i, CLT).
De qualquer forma, uma resposta mais adequada exige o estudo do caso concreto.
Forte abraço.
Excelente artigo.
Procurei muito por um artigo claro, na visão do empregado, como esse na internet e não achei.
Parabéns e obrigado